Carta Aberta dos religiosos de Matriz Africana à sociedade alagoana



No dia 08 de Dezembro de 2011, segundo as nossas tradições, uma data reservada ao culto de Iemanjá, orixá das águas, nós que fazemos parte dos cultos religiosos de matriz africana naquele dia, nós, religiosos de matriz africana da cidade de Maceió e as casas religiosas situadas nos interiores, fomos surpreendidos com uma situação de uma profunda humilhação, quando ao chegarmos para a celebração das nossas oferendas sagradas nas praias de Jatiúca e Ponta Verde , nós nos deparamos tanto com um espaço de segregação física – restrito da balança do peixe até o final da praia da Pajuçara -, bem como ainda, com a determinação de um horário restrito de celebração de nossas cerimônias determinado pelas autoridades responsáveis pelas medidas disciplinadoras, estipuladas pelos mesmos das 7 horas da manhã até as 8 horas da noite. Ambas as medidas foram determinada pela Prefeitura da Cidade de Maceió através da Fundação Cultural da Cidade de Maceió, na pessoa da Sra. Paula Sarmento, e pela direção Secretaria Municipal de Convívio e Controle Urbano, na pessoa do Sr. Galvaci de Assis, sendo que, os tais órgãos, para a concretização de tais “medidas disciplinadoras” solicitou o apoio disciplinador e repressivo do aparato tanto da Guarda Civil Municipal, bem como ainda, da Polícia Militar de Alagoas.

Alagoanos, a situação que todos nós religiosos de matriz africana fomos submetidos naquele dia, foi algo vergonhoso e humilhante, e, mais ainda quando estamos na véspera de completar exatamente cem anos da Quebra de todos os terreiros de candomblé de Alagoas ocorrido em 1912, fato que, não voltou a acontecer no dia 08 de Dezembro de 2011, em virtude da intervenção nos bastidores de membros do Governo do Estado junto ao comando da Polícia Militar do Estado de Alagoas, alertando-lhes para a fragrante violação da Constituição Federal e as possíveis conseqüências da violação.

Diante do acontecido, nós religiosos de matriz africana que também fazemos parte da herança da República dos Palmares e que atualmente contamos com algo em torno de 3000 casas de culto espalhados por Alagoas, não podemos ficar silenciados e humilhados diante da imensa vergonha com que nossos irmãos foram tratados no dia 08 de Dezembro do presente ano quando, ao chegarmos aos locais de realização das nossas cerimônias, fomos vigiados e monitorados por pessoas completamente alheios ao nosso universo religioso, os quais, segundo declarações à imprensa, tinham como principal objetivo “disciplinar as nossas atividades”.

Neste sentido é que destacamos enquanto descendentes de escravos, também fazemos parte da herança da República dos Palmares e por tudo isto, nós não podemos ficar silenciados e humilhados diante da imensa vergonha com que nossos irmãos foram tratados no dia 08 de Dezembro.

Vale ressaltar ainda que, a “medida disciplinadora” levada a cabo pelos referidos órgãos, Fundação Cultural da Cidade de Maceió e pela Secretaria Muncipal de Convívio e Controle Urbano, em razões de seus alheamentos a respeito das nossas tradições, não levou em conta o fato de que, tanto as praias, bem como ainda, as águas marinhas, para nós religiosos de matriz africana, serem ambos, lugares de uma memória sagrada e enquanto tais, invioláveis por direito constitucional.

E então perguntamos: disciplinar o que? Disciplinar a partir de que? E com que direito estes órgãos – que deveriam cumprir o seu papel de proteger a nossa liberdade religiosa – podem se arvorar em disciplinar as nossas crenças, os nossos cantos e a nossa liberdade de expressão religiosa? Afinal, o que eles sabem de nosso Deus e o que eles entendem dos nossos Orixás e das nossas tradições?

Alagoanos de um modo geral e da cidade de Maceió em particular, o que ocorreu no dia 08 de Dezembro não foi apenas uma violência contra as nossas tradições sagradas, mas, antes de tudo, foi uma violação da constituição no que se refere a liberdade religiosa garantida pela Constituição do Brasil e, neste sentido, ao tempo em que viemos através desta destacarmos a violação da Constituição ocorrida no dia 08 de Dezembro do corrente ano, estamos atenciosamente solicitando de toda a população da cidade de Maceió através de suas instituições, um generoso esforço no sentido de divulgação, tanto da presente Carta Aberta, bem como ainda, de um olhar mais atento para a importância das nossas tradições afro-alagoanas, haja visto que, no dia 02 de Fevereiro de 2012 marcará o centenário da trágica destruição dos nossos espaços sagrados, data que, entrou para a história como o dia do “Quebra do Terreiros de 1912”.
Sem mais, atenciosamente subscreve o presente documento e convocam as seguintes entidades:

FEDERAÇÃO DOS CULTOS AFRO UMBANDISTA DO ESTADO DE ALAGOAS, CENTRO AFRO OXUM OMIN TALADÉ, CENTRO AFRICANO SÃO JORGE, PALÁCIO DE AIRÁ, ILÊ AXÉ LEGIONIRÊ, NUCAB – IYA OGUNTÉ, CENTRO ESPÍRITA SÃO JORGE, CENTRO AFRO BRASILEIRO OGUM DE NAGE, FRETAB - FEDERAÇÃO ZELADORA DAS RELIGIÕES TRADICIONAIS AFRO-BRASILEIRA EM ALAGOAS, FEDERAÇÃO DOS CULTOS ÁFRICOS DE ALAGOAS, ASSOCIAÇÃO CULTURAL E SOCIAL AFRO BRASILEIRA OFA OMIM, ABASÁ DE ANGOLA OYÁ IGBALÉ, FEDERAÇÃO ALAGOANA ESPÍRITA CAVALEIRO DO ESPAÇO.

Com o apoio das entidades abaixo descriminadas:
UFAL, UNEAL, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), COLETIVO AFROCAETÉ, GUESB, ANAJÔ, NÚCLEO CULTURAL ZONA SUL DE MACEIÓ, CEPA QUILOMBO E FEDERAÇÃO ALAGOANA DE CAPOEIRA, COJIRA, DCE/UFAL E ARTICULAÇÃO DOS GRUPOS DA CULTURA POPULAR AFRO-ALAGOANA.
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