8 DE DEZEMBRO É DIA DE FESTA NA BEIRA DO MAR...!
O dia 8 de dezembro
No dia 8 de dezembro religiosos de matriz africana se reúnem anualmente numa grande festa em
homenagem a Iemanjá. A Festa acontece tradicionalmente em Alagoas por iniciativa e
esforço popular, onde a organização apresenta a auto-afirmação identitária e
religiosa dos afro-alagonanos. Religiosos de várias localidades homenageiam a
deusa nas areias das diversas praias do estado.
A Festa das Águas
A Festa das Águas surgiu como
mais uma nova demanda dentro da grande festividade popular no dia 08 de
dezembro, dia escolhido pelos grupos alagoanos para homenagear aquela que é um
dos orixás mais respeitados e populares.
As atividades culturais concentram-se
na praia de Pajuçara. É uma celebração em agradecimento por tudo que foi
alcançado durante o ano, também pode ser entendido como um expresso convite aos
fieis e ao público em geral para repensar alguns valores éticos, tais como o
respeito e a solidariedade. Além das homenagens, os grupos alertam para o
preconceito contra as manifestações afro-brasileiras. Festa das Águas é
um convite para celebrarmos a nossa diversidade étnica, cultural e religiosa.
Programação:
17 horas, Sete Coqueiro (Pajuçara):
Cortejo
Cortejo dos
religiosos juntamente com os afoxés Odô Iyá, Oju Omin Omorewá e Ofaomin em
direção a Praça Multieventos.
16 horas, Praça Multieventos (Pajuçara):
Rodas de Capoeira
16:00 – Roda
Aberta de Capoeira/ Liga Feminina de Capoeira de Alagoas e Ginga Terapia
(Capoeira Inclusiva)
Shows
17:00 – Arê
Yorùbá (Núcleo de Cultura da Zona Sul)
17:30 – Afro
Mandela
18:00 – Maracatu
Raízes da Tradição (Abassá de Angola de Oyá Igbalé)
18:30 – Afoxé
Ofaomin (Ilê Axé Ofaomin)
19:00 – Inaê
(Grupo União Espírita Santa Bárbara)
19:30 – Orquestra
de Tambores de Alagoas
20:00 –
Afoxé Odô Iyá (Ilê Axé Iyá Ogunté/Casa de Iemanjá)
20:30
–Coletivo AfroCaeté
21:00 –Afoxé
Oju Omin Omorewá
22:00
–Momento Coletivo
ODÔ IYÁ, IEMANJÁ
No
dia em que os católicos celebram Nossa Senhora da Imaculada Conceição, os
seguidores de religiões de matriz africana vão à praia vestidos de branco e
azul homenagear Iemanjá, a Rainha do Mar
Diego
Barros (Jornalista)
Christiano
Barros (antropólogo, batuqueiro do Coletivo AfroCaeté)
Especial
para O Jornal (publicado no dia 7 de dezembro de 2008)
O cenário
é o de uma cidade qualquer do interior de Alagoas: ruas sem asfalto, sem
saneamento básico, esgoto a céu aberto, cães, gatos e galinhas atravessando a
frente dos carros, crianças correndo de um lado para o outro. Mas o nome do
bairro é Village Campestre, na periferia de Maceió. É lá que Rosineide Sousa da
Costa, de 38 anos, mais conhecida como Mãe Rosa, mora e possui um terreiro,
onde ela e outros seguidores do candomblé se reúnem regularmente para suas
práticas religiosas.
A
ialorixá Mãe Rosa, como são chamadas as sacerdotisas no idioma iorubá, uma das
línguas que foram trazidas pelos escravos vindos da África, tem cinco filhos
biológicos e outros tantos filhos-de-santo. Amanhã, 8, todos eles vão à praia
de Pajuçara dançar e levar oferendas a Iemanjá, um dos mais populares orixás do
Brasil, com milhares de seguidores de norte a sul do país. "Ela é o orixá
da inteligência, das cabeças (ori, no idioma afro-religioso), das águas
salgadas, protetora dos pescadores, senhora dos lares e é mãe de todos os
orixás", lembra Mãe Rosa, ressaltando que o 8 de dezembro é um dia de
agradecimento. Entre as oferendas que serão levadas à Rainha do Mar estão
flores, mel, peixe, frutas, sabonetes e perfumes. Iemanjá é o útero de toda a
vida, principal figura materna na tradição iorubá (Ymoja).
Durante
as homenagens de amanhã, os filhos devotos de Iemanjá farão saudações dizendo
Odô Iyá, que é um tipo de cumprimento à orixá de todas as águas. Haverá também
rodas de samba e de capoeira. Uma vez manifestada em um de seus devotos, ela
dança de forma majestosa, mexendo o corpo suavemente, sugerindo o movimento das
ondas do mar.
A
ialorixá Mãe Vera, também de Maceió, ressalta a importância de Iemanjá para os
seguidores de religiões de matriz africana: "Quando Iemanjá está presente
no terreiro, ela é tratada com um carinho especial, é como se chegasse uma
senhora experiente, de muito saber em nossa casa. Todos dão atenção a ela, do
mais jovem ao mais velho".
Iemanjá é
um nome derivado de três outras palavras do idioma iorubá: yèyé (mãe), omo
(filha) e ejá (peixe). Na época da escravidão no Brasil, os escravos que
cultuavam Iemanjá eram perseguidos por suas práticas religiosas e, para tentar
driblar essa perseguição, associavam Iemanjá a Nossa Senhora da Imaculada
Conceição. Segundo o babalorixá (palavra do iorubá para definir os sacerdotes
do candomblé) Pai Célio, formado em história e um dos pesquisadores do assunto,
o orixá não tem figura humana, ele é apenas uma energia, uma força da natureza.
"Se Iemanjá tivesse forma humana, ela teria arquétipo africano: uma mulher
negra, forte, de seios fartos", detalha Pai Célio.
"Quando
Olorum criou o planeta Terra, antes de qualquer coisa jogou muita água, por
isso que na ideologia iorubá Iemanjá é a mãe das mães: 'Yèyé'. Foi dentro da água que surgiu
a primeira idéia de vida na cosmovisão iorubana, e a primeira idéia de vida
veio do peixe. O peixe passou a ser o 'Omo', o filho. E da água brota
tudo", narra Pai Célio.
No
terreiro de Mãe Rosa, no Village Campestre, são cultuados 18 orixás. Esse
número varia de terreiro para terreiro. Mãe Rosa diz que durante as cerimônias,
chamadas de toque, incorpora até cinco desses 18 orixás. São eles: Oxum,
Oxossi, Xangô, Iansã e Iemanjá. Toda ialorixá e todo babalorixá têm um orixá
masculino e um feminino, e os de Mãe Rosa são Oxum (feminino) e Oxossi
(masculino). O primeiro deles é a divindade da água doce, da beleza, do amor e
da fertilidade. O outro é o orixá das matas e da caça.
O
início no candomblé – Mãe Rosa conta que
sua mãe biológica também era ialorixá (mãe-de-santo), na época em que elas
moravam em Palmeira dos Índios, região do Agreste alagoano. Ela lembra também
que algumas décadas atrás o preconceito em relação às religiões de matriz
africana era bem maior do que hoje. "Minha mãe só fazia o toque dentro de
casa, trancada, e quase ninguém sabia. Aos domingos ela ia à missa e me levava
junto, mas ela não era católica, era só pra disfarçar", relata, dizendo
também que ela própria passou por alguns sacramentos do catolicismo: "Eu
sou batizada, fiz Primeira Comunhão e Crisma, mas os meus filhos (biológicos)
não são". Ela lembra ainda que sua mãe era também rezadeira, parteira e
conselheira.
Mesmo com
a mãe tendo sido uma seguidora do candomblé, Mãe Rosa diz que demorou a aceitar
a religião. Ela conta que tinha medo quando sua mãe incorporava algum orixá e
não gostava do preconceito que sofria na rua e na escola. "Me chamavam de
filha da catimbozeira", recorda. Ela só aderiu ao candomblé aos 18 anos de
idade. De lá pra cá, já foi iaô, nome dado aos iniciantes na religião,
filha-de-santo e agora ialorixá.
Conforme
descreve Mãe Rosa, para que um seguidor do candomblé se torne iaô, ele deve
passar por um ritual, no qual fica alguns dias em camarinha – isolado dentro de
um quarto, tendo contato apenas com o seu ialorixá ou babalorixá, recebendo os
ensinamentos dos orixás e os segredos da religião. Após um período de cerca de
sete anos, o iaô pode passar novamente pelo ritual e se tornar pai ou
mãe-de-santo. Nesse caso, o período de isolamento é maior, em torno de 30 dias.
As
forças da natureza – De acordo com o babalorixá Pai Célio, a religião
de matriz africana cultua as energias da natureza, e não os espíritos. Em
relação ao 8 de dezembro, ele tem uma opinião diferente: "A gente do
candomblé não cultua santo, a gente cultua orixá. 'Ori' quer dizer cabeça, e
'xá' quer dizer energia. Nós temos os nossos dogmas, os nossos ritos e os
nossos mitos. É importante explicar que Iemanjá não é Nossa Senhora da
Conceição. Nossos ancestrais associaram algumas características dos santos
católicos aos orixás", argumenta Pai Célio. Ele defende a desvinculação
entre o orixá e a santa católica, mas acha importantes as manifestações do 8 de
dezembro. "É uma quebra de paradigma na sociedade, um momento em que os
religiosos vão expor a sua fé em público", afirma. De acordo com o
babalorixá, durante as viagens nos navios negreiros, o corpo dos escravos que
morriam era entregue a Iemanjá.
Sincretizada
com Nossa Senhora devido à relação com a maternidade, Iemanjá possui grande
prestígio e popularidade em todas as camadas sociais brasileiras. Segundo o
pesquisador Edson Moreira, coordenador do Museu Quilombo, o sincretismo com
Maria representa um exemplo de convivência religiosa. "Hoje é difícil a
dissociação", diz, esclarecendo que Iemanjá não é Nossa Senhora. O
sincretismo é fenômeno que existe em todas as religiões e também está presente
na sociedade brasileira. Ele não descaracteriza a tradição e nem desmerece a
capacidade dos praticantes de qualquer que seja a religião.
Grupos
Culturais – Além dos atabaques que irão embalar os seguidores
do candomblé durante o ritual religioso, grupos de percussão e batuque afro
estarão presentes durante as festividades de Iemanjá na praia de
Pajuçara. Um dos objetivos desses grupos, que pretendem interagir com os
adeptos e simpatizantes, é chamar a atenção para o preconceito historicamente
construído e sustentado em nossa sociedade contra as manifestações afro-brasileiras.
As atividades ficarão concentradas próximo à Praça Multieventos, a partir das
16h.