Histórias não contadas - Tia Marcelina


Tambores de Alagoas

Edson Moreira
Griot – Um contador de histórias



Nos primeiros quinze anos do século passado, principalmente no ano de 1912, houve uma perseguição em massa as religiões de matriz africana. Estas passavam por uma prova de fogo para verificar se realmente havia incorporações de entidades nos Pais de Santos, Mães de Santos e Filhos de santos, nos Babalorixás em geral.

A prova constava, algumas vezes, em queimar o Babalorixá com um charuto aceso, se ele estivesse incorporado não sentiria dor e seria liberado, caso contrário seria preso em uma cela especial que possuía seu teto revestido com placas de gelo chamada de “geladeira” (localizada na Praça das Graças, ao lado da Igreja Nossa Senhora das Graças – no Bairro da Levada), cujo, Delegado titular era o Sr. Juca Mendes que morava ao lado da família do Dr. Artur Dorvillé, vizinho ao 1° Centro de Saúde Pública, que na maioria das vezes levava a morte os Babalorixás. Porém, antes de serem presos, a polícia colocava os objetos sagrados do Peji na cabeça dos Babalorixás, obrigando-os a andar pelo centro da cidade afirmando sua condição de macumbeiro.

A perseguição e a discriminação aos negros em Alagoas existiram desde a época do Quilombo dos Palmares, pois a ordem era exterminar, eliminar, massacrar todos os Quilombolas. Muitos babalorixás fugiram para Pernambuco e Salvador onde havia grande aglomeração de negros.

Em Alagoas, uma das vítimas desta perseguição foi Tia Marcelina uma figura semelhante a Mãe Menininha do Gantois. Tia Marcelina era uma ex-escrava africana de Janga, Angola, era uma descendente do Quilombo dos Palmares e de família real africana e juntante com Manoel Gelejú, Mestre Roque, Mestre Aurélio e outros fundaram os primeiros Xangôs do Brasil, no bairro de Bebedouro – Maceió – Alagoas. Ela tinha o saber, o carisma e a voz viva dos Orixás, sendo contemplada com a coroa de Dadá, homenagem outorgada pelos oráculos do continente africano, era o posto mais alto da hierarquia religiosa africana no Brasil e que significava na liturgia africana “irmão mais novo de Xangô”. O seu terreiro (casa de toque) estava situado num pequeno sítio atrás do Espaço Cultural da UFAL, hoje denominada Rua Sete de Setembro, lado direito do Riacho Salgadinho nas proximidades da Rua Aroeira onde já funcionou o Cartório da 13ª Vara Criminal de Maceió.

Informações colhidas do Mestre Zumba, filho de Dona Hortência, Filha de Santo de Tia Marcelina, que ouvia muitas histórias dos antigos Babalorixás e da escravidão. Uma delas era a respeito da morte de Tia Marcelina, para a qual existem duas versões.

A primeira versão foi ao saber que ia ser visitada pela Liga dos Republicanos Combatentes (organização que perseguia os Xangôs em Alagoas e seus seguidores) com sede em Alagoas, chefiada pelo sargento que não tinha uma das pernas e ex-combatente da Guerra dos Canudos, Manoel Luiz da Paz, ela preferiu atirar-se na cacimba existente no quintal de seu terreiro. A Segunda Versão, contada por sua Filha de Santo Hortência, foi que por não aceitar submeter-se a aquelas humilhações, teria sido espancada e morta com ferimentos de sabre na cabeça. Mas antes de morrer teria amaldiçoado a cidade dizendo: “Maceió é um dia só”, profetizando que, Maceió não teria futuro, que todas as ações feitas pelos poderes, na cidade, não dariam certo. É bom salientar que o guarda civil que espancou Tia Marcelina morreu com o lado do corpo completamente seco coincidentemente o braço e a perna que atingiram e espancaram Tia Marcelina.

Uma das causas da perseguição religiosa das matrizes africanas em Maceió em 1912, foi a divergência de duas facções políticas. Uma que freqüentava e era adepta dos terreiros e a outra não simpatizante. Esta última para atingir seus opositores realizou o “Quebra”, como ficou conhecido esta violência religiosa.

O Quebra era a destruição dos terreiros de Alagoas. Os objetos sagrados dos Pejis que restaram após o Quebra, hoje se encontram no Museu Histórico de Alagoas.

Isto aconteceu nos anos idos de 1912, os brancos dominantes da época, não registraram esta história. Mas hoje, eu negro, Edson Moreira, conto para vocês.

Esta história é verdadeira e foi contada oralmente pelos mais antigos de minha geração: de Pais de Santos para Filhos e de irmão para irmão e de avô para netos e bisnetos e hoje chega aos seus ouvidos.
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